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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Aquarela de alegria

Foto: Mauro Júnio


No dicionário Houaiss, o conceito de vítima é “pessoa sujeita a maus-tratos ou opressão” ou “tudo o que sofre dano”. Mas o dicionário de Tetê Fernandes é diferente. Na letra “P”, a palavra “vítima” foi suprimida e substituída por “protagonista”, que quer dizer “pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro lugar em uma situação, em um ambiente, em um acontecimento”. 
Acometida pela Artrogripose Múltipla Congênita, uma deficiência que impossibilita o desenvolvimento normal dos membros inferiores e superiores, Terezinha Irani de Oliveira Fernandes tinha tudo para sentir-se injustiçada pela vida e tornar-se amarga desde cedo. Ainda bebê, por exemplo, com poucos meses de idade, ela precisou fazer uma cirurgia no quadril e nos pés para alongar os tendões.

Pequenos gestos que, no caso de muitas pessoas, são realizados de forma quase mecânica e corriqueira, exigiam da garota um esforço enorme e muita dedicação. Não bastassem os desafios físicos e motores, ainda era preciso lidar com o preconceito de quem acha que pessoas com esse tipo de limitação devem ficar confinadas na própria casa, sem direito ao mínimo de autonomia.

Mas Tetê, como é mais conhecida, e sua família, decidiram que ela não seria vítima do destino. Seria protagonista, com todas as dores e delícias de quem toma as rédeas da própria vida. Para tanto, a mãe decidiu estimular ao máximo o desenvolvimento da filha e nunca a impediu de tentar fazer o que quer que fosse. “Ela sempre me fez acreditar que eu deveria lutar para conquistar o que quisesse”, diz Tetê.

A mãe também nunca permitiu que a filha fosse segregada e sempre fez questão que ela convivesse com outras crianças que não possuíam a mesma deficiência. “Estudei em escola pública a minha vida toda e aprendi a enfrentar tudo de cabeça erguida. Houve preconceito sim, mas, por outro lado, também recebi muito afeto e fiz grandes amigos”, explica ela. 

Do pai, Tetê recebeu a lição de que é preciso enfrentar a vida com leveza e bom humor. Quando a repórter pergunta como ela era quando criança, ouve a seguinte resposta: “Era espoleta, vivia com o bumbum vermelho”. “Vermelho?”, estranha a repórter. “Sim. O piso lá de casa era dessa cor e eu arrastava o bumbum no chão para todo lado. Ou você esqueceu que eu não andava quando bebê?”, brinca. 

Além do carinho e do incentivo da família, a garota espoleta também cresceu em meio a pincéis, tintas, papéis e telas. Com os olhos curiosos e atentos, assistia à mãe, professora de artes, montar belas figuras e corrigir os trabalhos criativos dos alunos. Movida pela curiosidade, Tetê começou a pedir lápis de várias cores para a mãe e a desenhar tudo o que lhe vinha à mente.

O problema é que fazer os desenhos com as mãos era muito difícil. Num impulso, a garota, então com 10 anos de idade, tentou desenhar com a boca e percebeu que era muito melhor. Começou aí um grande e intenso caso de amor pela arte. Com o tempo, os lápis deram lugar aos pincéis e os papéis às telas. A menina que desenhava em casa tornou-se pintora, reconhecida dentro e fora do Brasil.

Tetê Fernandes é o nome artístico da pintora que comove o público com a beleza e o colorido de seus quadros. Por meio de flores, golfinhos, figuras abstratas e, sobretudo, por meio da grande alegria que transmitem, as obras mostram que é possível dar à vida a cor que a gente quer. Às vezes as telas ficam pequenas para tanto talento e Tetê decide exercê-lo fazendo tatuagens de henna e desenhos para unhas. 

Desde 2008 Tetê integra a Associação de Pintores com a Boca os e Pés (APBP). “Fiquei muito feliz por ter entrado na entidade. Sou bolsista e posso expor minhas obras e aprimorar meu conhecimento com cursos de pintura, livros e outros assuntos relacionados à arte”, explica. Com a ajuda da APBP ela já participou de exposições em várias cidades do Brasil, e até mesmo na Argentina. 

“Também já vendi quadros para clientes estrangeiros. Há três obras minhas na Austrália”, conta. Quem quiser conferir um pouco do trabalho de Tetê pode ir ao Hall da Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), na Praça Universidade, onde ela expõe suas telas até outubro. No dia 16 de setembro Tetê também levará suas obras à 6ª Exposição de Orquídeas de Ituiutaba (MG).

Além de pintar, ela também cursa o quarto período da faculdade de Publicidade e Propaganda, em Anápolis, e namora sério há seis meses. Com 28 anos de idade e apaixonada pelo namorado, diz que pretende se casar com ele no futuro. “Ele fala disso o tempo todo e acho que pode dar muito certo. Ele faz vários planos para a gente, me trata como uma princesa, enfim, é maravilhoso comigo”, diz, entusiasmada. 
Na semana em que a repórter entrevistou Tetê, o namorado havia levado um urso de pelúcia gigante de presente para ela na faculdade. Qual o segredo para ser tão bem-sucedida em tantas áreas da vida? “Ter orgulho de si mesma. Ter amor próprio em qualquer situação, acreditar na própria capacidade e não se deixar abater pelas dificuldades da vida. Ter fé em Deus e na sua força interior”, ensina Tetê. 

Toquinho dizia que o futuro é uma astronave que tentamos pilotar, que invade nossa vida sem pedir licença e depois nos convida a rir ou chorar. O segredo, falava o grande compositor, é não se preocupar em conhecer ou ver o que virá, mas apreciar a aquarela da vida, com suas cores e desenhos. É a mais pura verdade. Onde há quem veja apenas um risco amarelo, Tetê vê o sol. 



     Texto: Fabrícia Hamu - Jornalista formada pela UFG e mestre em Relaçações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica)

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